Caminho Francês de Santiago – 2018
Pelas oito e meia da noite, de segunda-feira, 27 de março de 2018, na Igreja dos Capuchinhos de Gondomar, o Frei Acílio estava de braços abertos, acolhendo carinhosamente os AMUT’eiros peregrinos para os abençoar na sua peregrinação pelo Caminho de Santiago, na presença dos seus familiares e amigos.
O sorriso aberto e a forma leve, divertida e simultaneamente intensa com que falou da importância de peregrinar, de ir ao encontro de si e do outro, emocionou todos os presentes, sobretudo no momento em que, gentilmente, apôs o sinal de cruz, lembrando: “Caminha com Cristo e o Irmão”. De seguida, convidou todos a juntarem-se aos pés de Nossa Senhora Mãe dos Homens e sugeriu uma oração invocando a Sua proteção. Partilhou alguns momentos divertidos e despediu-se, calorosamente, com beijos e abraços!
Estava na hora de regressarmos a casa para os últimos preparativos e aproveitar algumas (pouquinhas) horas de descanso, antes do encontro marcado na madrugada seguinte.
Ainda não tinha batido a badalada das quatro da madrugada e um movimento inusitado de seres ensonados, carregados de mochilas e malas “gigantes”, encheram a praça frente à Câmara Municipal de Gondomar, preparados para viverem uma aventura inesquecível, prontos para seguirem mais acima, mais além, pelo Caminho Francês, desde Sarria até Santiago de Compostela e poderem abraçar o Santo Apóstolo.
Antes da partida foi feita a chamada, verificando que todos estavam presentes, animados e ansiosos, com exceção de uma caminheira de primeira viagem que não ouviu o despertador e ia ficando em terra. Depois de muitas chamadas para o telemóvel dela, lá se ouviu uma vozinha rouca e ensonada pedindo mil vezes desculpa por não ter estado no local de partida… foi salva in extremis pela “Fatinha”, como é carinhosamente apelidada a carrinha da AMUT, que a apanhou quase em marcha e seguiu a tempo do reencontro com o autocarro, ainda antes da primeira paragem, pelas seis e meia (hora espanhola), para o pequeno-almoço, numa estação de serviço.
Chegamos ao ponto de partida da nossa peregrinação, a Vila de Sarria, pelas dez menos um quarto. Foi hora de fazer o primeiro jogo do “Tetris das malas”, verificando-se que poucos tinham ouvido as recomendações de apenas trazer o essencial. Só com muita perícia se conseguiram colocar na carrinha todos os haveres.
Os trinta e nove peregrinos presentes, incluindo quatro caminheiros franceses, agruparam-se junto à Capela de San Lázaro para a primeira fotografia de grupo. Algumas ondas de alegria, o primeiro briefing com alguns conselhos sobre a primeira etapa e iniciamos a nossa peregrinação, que, neste dia, nos levaria até Portomarin.
A Morgana e o Patrice seriam os nossos anjos protetores, conduzindo a carrinha de apoio, aparecendo com frequência nos lugares mais inesperados. A alegria de vê-los com a “Fatinha só pode ser entendida por quem faz o Caminho. A sensação é de um encontro com alguém que nos diz apenas que “é já ali”, que “já falta pouquinho”, que partilha aquele mimo de um abraço ou de algum spray mágico para refrescar os músculos sobreaquecidos de caminhar há muitos quilómetros.
Dia 1
1.ª Etapa – 28 de março 2018 - Sarria – Portomarin – 23km
Logo à partida fomos alertados que o cansaço inicial de uma curtíssima noite e da viagem de autocarro, com uma duração significativa, tornaria a etapa mais difícil do que ela é na realidade. Importava começar e todo o Caminho, qualquer que ele seja ou intenção tenha, inicia-se com o primeiro passo. O nosso aconteceu no centro histórico de Sarria, onde existem vários cafés que acolheram quem precisou de tomar um cafezinho e recorrer a outras necessidades, antes de começar a caminhar. Também aqui se aproveitou para solicitar o primeiro carimbo na credencial, que permitiria no final obter a Compostela, prova secular da realização de, pelo menos, cem quilómetros de um dos Caminhos de Santiago.
Imbuídos da importância de ter o máximo de “sellos”, houve quem, ao longo dos cinco dias da peregrinação, parasse em quase todos os cafés para carimbar a credencial, aproveitando, naturalmente, para pedir uma “caña” de forma a repor os sais minerais perdidos durante a caminhada.
O dia estava bastante nublado e fresco, ameaçando que pudéssemos vir a precisar dos ponchos de chuva… Ciente desta questão fulcral para um caminheiro, o Ricardo nada mais levava do que um poncho bem dobradinho no respetivo saquinho, agarrado aos jeans. Uma indumentária que deixou muitos perplexos, sobretudo os que levavam mochilas bem pesadas com este mundo e o outro, apesar dos avisos de que o Caminho é uma experiência de simplicidade.
Pouco depois de sairmos de Sarria atravessamos uma bela ponte romana e, após passar a linha de caminho de ferro, embrenhamo-nos numa magnífica floresta, sentindo-nos de imediato acolhidos pelas cores deliciosas e os cheiros frescos e revigorantes da natureza. Um Carvalho centenário, de braços abertos, aponta-nos o Caminho e poucos foram os que resistiram a aceitar o seu colo para sentir a força e energia que dele emerge. Logo a seguir a este encontro mágico enfrentamos uma bela subida de cerca de cinco quilómetros, onde a beleza dos carvalhos centenários e outros companheiros locais não passou despercebida.
Os nossos receios tinham fundamento e, ainda antes do almoço, foi necessário recorrer aos indispensáveis e sempre companheiros ponchos.
Perto das duas da tarde, já bem molhados, os AMUT’eiros foram chegando ao primeiro restaurante para se aquecerem e reporem energias. Rapidamente esse porto de abrigo ficou lotado e tornou-se necessário aos seguintes caminharem mais um pouco para almoçarem. Os primeiros “uevos fritos con patatas”, as primeiras “cañas”, as primeiras “ensaladas”, os primeiros “Chopitos” … tantas delícias que repõem qualquer peregrino para a sua missão.
Dando tréguas, o céu, embora carregado de nuvens escuras, reteve a chuva e foi com alguns raios de Sol que retomamos o percurso das setas amarelas. Rapidamente percebemos que foi certamente apenas um pequeno lapso dos anjos, pois muito rapidamente as águas voltaram a inundar os nossos ponchos até bem perto de avistarmos o nosso destino final.
Antes de atravessar a ponte de Portomarin, os nossos olhos são presenteados com uma vista magnífica sobre o rio, onde se espalham as árvores e as nuvens de várias tonalidades de cinzento, entrecortadas por um azul celeste reconfortante. Já estamos no final da tarde e a promessa de chegada dá-nos ânimo para subir as escadas de acesso à aldeia. No final, atravessamos a escadaria, transpusemos um pórtico em pedra secular e avistamos o nosso oásis: o Albergue Pons Minea (www.ponsminea.es).
A aldeia romana de Pons Minea, entretanto renomeada de Portomarin, pertencente à província de Lugo, foi totalmente engolida pela albufeira da barragem de Belesar, nos anos sessenta do século passado. Antes de ser submersa pelas águas, a população deslocou, para uma cota mais alta, todas as pedras do arco medieval da Ponte Miña, da Igreja de San Nicolás (erigida no século XII pelos monges da Ordem de São João de Jerusalém), das fachadas do templo de San Pedro e dos dois palácios mais importantes para o novo local, onde hoje se encontra atualmente. Alguns AMUT’eiros, que chegaram mais cedo, tiveram oportunidade de visitar esses lugares, tendo ficado impressionados com a sua beleza e, sobretudo, com a forma peculiar da Igreja de San Nicolás.
O jantar, inicialmente marcado para as dezanove e trinta, foi adiado uma hora, para permitir às Bolheiras e às Mosqueteiras chegarem ao albergue, tomar banho, refrescar-se e cuidar dos pezinhos. As “Bolheiras” são bem conhecidas dos AMUT’eiros, nascido na primeira peregrinação da AMUT a Santiago de Compostela, no ano 2015, esta “associação” reúne atualmente algumas das caminheiras que já sofreu com um número significativo de bolhas nos pés. As “Mosqueteiras” foram assim batizadas pelo Patrice por chegarem sempre no final do grupo, a larga distância, sempre juntas e permanentemente com um sorriso em uníssono. Ao chegarem à carrinha distribuíam com a Morgana e o Patrice grandes abraços e risadas, apesar das dores físicas, das bolhas e do mau tempo. O que importava à Cátia, à Joana, à Sandra e à Sofia era seguir juntas, rindo sem necessariamente saber de quê, partilhando-se e sabendo que ali, no Caminho e certamente para o resto da Vida seria “Uma por todas e todas por uma!”
A Morgana, “motorista/bombeira/enfermeira” de serviço, foi cuidar das lesões e necessidades de cada um, terminando com as nossas rainhas da bolha, a Isaura e a Joana, que tinham decidido, neste Caminho, fazer o concurso de quem conseguiria mais bolhas nos pés.
Ainda não nos tínhamos sentado à mesa, quando chegam duas peregrinas que só nos podiam encontrar a partir do final da etapa do primeiro dia. Uma ilustre AMUT’eira e uma amiga que, de imediato, se tornou membro desta família de caminheiros: a Vereadora Dr.ª Sandra e a Dr.ª Isabel.
Cansados e simultaneamente satisfeitos por todos terem completado a primeira etapa, foi hora de comer e partilhar as experiências do dia para, rapidamente e dando ouvidos ao corpo, seguir para o descanso retemperador.
Nenhum peregrino pode dizer verdadeiramente que fez o Caminho se nunca passou pela experiência de dormir num albergue e, por isso, na primeira noite, os AMUT’eiros foram “abençoados” com esta possibilidade. Uma noite em que se partilham as casas de banho, a confusão de quem dorme no beliche em cima ou em baixo e, sobretudo, a inesquecível sinfonia roncofónica!…
Dia 2
2.ª Etapa – 29 de março 2018 - Portomarin – Palas de Rei - 25 km
Conforme combinado na véspera, às seis da madrugada (cinco em Portugal), depois de uma noite em que a maioria teve a oportunidade de usufruir de um belo concerto noturno, todos estavam prontos para o “desayuno”.
A manhã, bem fresca, quase gélida, pedia o recurso ao uso de luvas como parte da indumentária. Agrupamo-nos junto às letras gigantes de “PORTOMARIN”, tiramos a fotografia de grupo, e foram transmitidas as recomendações para o dia. Iniciamos à segunda etapa, pelas 6h50, desejando que o dia fosse mais seco que o da véspera.
Descemos até ao Rio Minho e, após atravessar uma pequena e estreita ponte pedonal metálica, entramos na floresta em plena escuridão, pois o dia ainda não tinha nascido. Quer fosse por termos falado nisso ou porque já tinha mesmo de ser assim, a chuva apareceu de imediato, reavivando os cheiros magníficos da natureza e, simultaneamente, obrigando-nos a recorrer novamente aos imprescindíveis ponchos.
Do outro lado do rio, o Caminho brinda-nos com uma progressiva mas, infelizmente, duradoura subida, já que quase metade desta etapa é uma inclinação quase permanente, intercalada com breves tréguas. Alguns recordaram-se das palavras sábias, presentes no livrinho do Caminho dos AMUT’eiros - “a tartaruga conhece melhor o caminho que a lebre!” - aproveitando as paisagens, os encontros, os lugares mágicos do Caminho, para descansar sempre que possível e recuperar o fôlego admirando o que nos rodeia. Logo pela manhã, percebemos que eram muitos os peregrinos de todas as nacionalidades e idades a seguirem, como nós, as setas amarelas.
A chuva estava intermitente e, debaixo dos ponchos, os corpos bem quentes e “ressoados” tornavam-se pesados. Após dez quilómetros de Caminho, em mais uma subida inclinadíssima, avistamos a placa indicativa da cividade celta “Castro Mayor”. O local fica “escondido” num minúsculo vale que o resguarda do vento gélido e das intempéries, mas que se torna distante dos olhares dos peregrinos desatentos, pois o Caminho passa a cerca de cinquenta metros do seu lado direito e a dificuldade da subida torna qualquer visita turística pouco apetecível.
Para quem teve a “coragem” de ultrapassar o cansaço, o frio e o receio de se perder, ir até à cividade é, sem dúvida, uma experiência inesquecível. Atrás de um monte verdejante, entramos na “aldeia milenar” junto ao emaranhado de casas, típicas daquela época e que formam uma espécie de teia. Subindo as escadas, no “muro” exterior, perante nós espraia-se uma vista panorâmica incrível da cividade, onde conseguimos, apesar da chuva e nevoeiro, observar todo o castro e, do lado exterior, ao longe, os peregrinos pelo Caminho, debatendo-se contra o vento, a chuva e o frio. O vento afugentou-nos e seguimos de encontro aos nossos pares.
Depois de terminar a extensa subida, a segunda parte da etapa realiza-se, essencialmente, a descer até alcançar Palas de Rei, e a Pensión Casa Curro onde íamos pernoitar.
Alguns chegaram bem cedo e ainda tiveram oportunidade de tomar banho, dormir uma “sonequinha” e aproveitar para conhecer este pequeno vilarejo. Outros apenas chegaram a tempo de um belo banho e colocar um pouco as pernas ao alto na cama, para as aliviar do dia. As rainhas das bolhas foram alvo de mais alguns cuidados, pois somando os quatro pés, alcançamos um número inacreditável que não divulgaremos mas que ultrapassa o número total de dedos.
Às dezanove e trinta juntamo-nos para jantar. Todos se questionavam se no dia seguinte também iriamos ser fustigados com a água que teimava em cair sobre as nossas cabeças. Servido a refeição, rapidamente essa questão se desvaneceu e o que passamos a saborear foi a partilha, os locais e os encontros do dia. Ainda não tinha batido a badalada das vinte e duas horas e já a maioria se aprontava para recolher aos aposentos e, finalmente, aproveitar uma bela noite de sono.
Antes de nos separarmos, fomos alertados que, no dia seguinte, a etapa seria certamente a mais difícil das cinco que tínhamos a percorrer, pelo que deveríamos sair o mais cedo possível. Após votação e algum debate, ficou definido que o encontro para o pequeno-almoço seria às seis da manhã, sendo que, cerca de quinze minutos antes, todos deveriam descer com as malas para o terceiro jogo do “tetris” das malas na “Fatinha”.
A alberguista, a D. Maria, ofereceu jornais velhos, a quem o pretendesse, para forrar o interior das botas e ajudar a que elas secassem mais rapidamente até ao dia seguinte, tornando-se mais confortáveis.
Dia 3
3.ª Etapa – 30 de março de 2018 - Palas de Rei - Arzua (29 km)
Na hora marcada, na sala do pequeno almoço, bailavam bebidas quentes, “zumo de naranja”, “pan”, “croissants” e muita vontade de iniciar a terceira etapa.
Às seis e meia, após o briefing matinal com as informações relevantes para o dia, começamos a caminhar com uma breve paragem frente ao “concello” (Junta de Freguesia), para a foto de grupo.
Bem posicionada para ganhar o troféu de Rainha das Bolhas, a “Mosqueteira” Joana viu novas bolhas “nascer” nos seus pés durante a noite, de tão quentes eles estavam da caminhada do dia anterior. Assim, antes de começar a etapa, foram necessários cuidados extras para ela conseguir pousar os pés no chão.
Esta é uma etapa sem monotonia no relevo: a seguir a uma subida, uma descida e de novo uma subida e assim… por aí fora… até chegar a hora da última e, aparentemente, interminável subida, antes de chegar a Arzua. Tínhamos sido informados que esta etapa é extremamente bela pelas florestas, pelos riachos de água, pela comunhão com a Natureza. Mas, na verdade, todos estes encantos não foram plenamente sentidos pelos AMUT’eiros. A experiência deles foi um pouco diferente.
Iniciamos a caminhada com chuva, como na véspera, mas, como se não bastasse, verificamos uma descida acentuada de temperatura, levando a que os receios (ou terão sido intenções) de alguns se confirmassem. Este foi o dia do purgatório!… Tivemos direito a tudo o que um peregrino caminheiro detesta sentir na pele. Depois da chuva inicial, foi o granizo como agulhas a bater no corpo, o vento gélido e desmedido que parecia cortar o rosto, as mãos e que levantava os ponchos até ao infinito… a neve em flocos, que envidraçava o piso e o tornava escorregadio, chuva e mais chuva, frio e mais frio… Os ponchos apenas serviam para proteger um pouco do vento que nos enregelava até ao tutano.
Uma das etapas mais belas dos últimos cem quilómetros do Caminho Francês de Santiago foi feita com o céu a cair em cima das nossas cabeças. Ainda houve quem desconfiasse que tínhamos um(a) grande pecador(a) no nosso grupo e que todos estávamos a pagar os pecados dele(a)… mas seria só um(a)? Na verdade… quanto a pecados, cada um terá de encontrar a sua resposta. Alertado pela questão, houve quem dissesse no início da manhã deste dia: “Eu… eu não tenho pecados!” Certo é que no final do dia, a mesma pessoa acabou por admitir que era capaz de ter um ou outro e que, ao longo dia, até tinha pedido perdão por todos os que sabia e os que não sabia ter cometido, na esperança que o tempo melhorasse no dia seguinte!
O nosso terceiro dia de Caminho levou-nos por florestas multicolores, por campos verdejantes infinitos, por minúsculos casarios, onde encontrávamos alguns cafés para, por breves momentos, nos aquecermos e retomarmos caminho.
A paragem para almoço foi ocorrendo em lugares diferenciados, em função do cansaço e da vontade de cada um de acabar com o sofrimento deste dia. Uns pararam apenas quando chegaram a Arzua, outros optaram por fazer uma paragem maior, na esperança, infundada, que a chuva e o frio se acalmassem.
Com a energia revitalizante do vinho da Galiza, de uma refeição quente e de uns brindes animados de chopitos, na hora de retomar o Caminho, ninguém tinha frio, ninguém estava cansado. “Sol” de pouca dura… em poucos minutos percebíamos que regressávamos exatamente ao mesmo temporal e que ele não nos largaria certamente até ao final do dia. Era o que nos estava destinado, tínhamos de seguir e terminar o que fazia parte da nossa aventura do Caminho.
Encharcados até às entranhas, transformados em blocos de gelo, poucos foram os que fizeram a paragem aconselhada em Ribadiso de Baixo, para ganhar forças. Este pequeno casario fica no final de uma descida imensa e dura para os joelhos e no local exato antes da subida final para chegar a Arzua. Quem parou aqui, aproveitou para lanchar uns muito desejados ovos estrelados e uma bebida energizante. Que momento delicioso, que bênção!!!
A “Fatinha” não parou de rodopiar para levar malas e maletas de um lado para o outro, numa corrida sem fim, para que todos pudessem tomar um banho quente e vestir roupa seca logo que chegassem ao final da etapa.
Em Arzua, os AMUT’eiros ficaram alojados em dois albergues, dado não existir nenhum hotel que conseguisse receber um grupo tão grande. Assim, uns ficaram na Pensión Begoña (www.pensionbegona.com/arzua.html) e outros na Pensión Arcano (www.pensionarcano.com).
Conforme combinado, o jantar foi servido às oito e meia, no restaurante Casa Chelo. Todos se reuniram no local, junto ao fogão de sala, onde ouvíamos o crepitar da fogueira que nos aqueceu o corpo e a alma. Os AMUT’eiros estavam cansados, um pouco desanimados com tanto castigo dos céus e alguns intuíamos que alguns já se questionavam porque se tinham metido em tal aventura.
A meio do jantar fomos surpreendidos com dois AMUT’eiros que, não tendo podido participar na peregrinação, quiseram juntar-se a nós para fazer as últimas duas etapas. A chegada deles trouxe grande alegria e boa disposição, embora eles inicialmente se assustassem com os nossos rostos cabisbaixos.
A sala quentinha, um jantar bem reconfortante regado de um vinho agradável, tudo isto salpicado da partilha das experiências vividas ao longo do dia, levaram a que, no final do jantar, ninguém parecesse querer ir descansar para os respetivos quartos. Foi necessário algum “encorajamento”, sobretudo dos empregados do restaurante, para partirmos e seguirmos para os braços de Morfeu.
Dia 4
4.ª Etapa – 31 de março de 2018 - Arzua – O Pedrouzo - 21 km
Uma noite repousante permitiu que, no dia seguinte, após o pequeno-almoço servido com pão caseiro fatiado frito em azeite, algo inusitado e pouco apreciado pela maioria, partíssemos, próximo das sete horas, ainda com a noite escuríssima. Ainda assim, na Praça junto ao Restaurante reunimo-nos para a foto de grupo do dia.
Inicialmente iluminados pelos lampiões urbanos, rapidamente entramos na floresta onde não se via a um palmo. A partir daqui quem guiou o nosso Caminho, para além das setas amarelas, foi a nossa querida Lua que estava especialmente luminosa por ter sido noite de Lua Cheia na véspera. A sua presença animou-nos para a esperança de que aquele poderia ser o primeiro dia seco.
Para além das já bem conhecidas subidas e descidas, típicas do Caminho na Galiza, a etapa é um desfilar de encontros com lugares encantadores. Finalmente, pela primeira vez desde o primeiro dia desta nossa aventura, os passarinhos, também eles festejavam a ausência da chuva, colorindo ainda mais estes momentos da sua música.
Assistir ao nascimento do dia e ver o espreguiçar da Mãe Terra na bruma, a levantar levemente seu manto nos campos verdejantes, entrever as últimas gotas da noite a brilhar nos ramos das suas majestosas árvores é um presente divino.
Pelas onze e meia da manhã chegamos a Melide, onde a tradição manda comer polvo. Logo à entrada da cidade deparamo-nos com um caldeirão gigante, onde nos informaram que diariamente se cozem mais de 700 polvos e “polvas”. Consta-se que elas são mais macias… ou será o contrário… Talvez tenhamos de lá voltar para nos certificarmos!
A paragem foi quase obrigatória, quer para comprovar o que os “nostros Hermanos galegos hablan”, quer por estarmos encharcados por cima e debaixo dos ponchos. De facto, a chuva apenas nos deu tréguas na primeira hora de Caminho. Assim, embora ainda fosse cedo para almoçar, o facto de já estarmos a caminhar há cerca de três horas, gelados e molhados, levou-nos a optar por fazer uma paragem em Melide. Os AMUT’eiros franceses, que nunca tinham provado polvo cozido (ou de qualquer outra forma), apreciaram, mas sem o mesmo entusiasmo que a maioria nós.
Após cerca de uma hora de descanso, de barriguinhas confortadas e alma alegre, colocamos os pés em marcha com o propósito de completar a penúltima etapa do nosso Caminho. A chuva, finalmente, deu-nos tréguas e a parte da tarde foi finalmente percorrida sem a presença dela. Que alegria!
Depois de mais uns quilómetros percorridos e a poucos do nosso destino do dia, somos surpreendidos por um bar filosófico. As paredes exteriores deste bar encontram-se “pintadas” de folhas amarelas e laranjas, com pensamentos filosóficos e com o sentido de sairmos das nossas zonas de conforto para conhecer novos lugares, novas gentes, novos costumes. Valeu a pena passar alguns minutos a ler o que por ali desliza pelo muro. Deixamos aqui apenas duas frases: “viajar torna-te modesto, comprovas o pouco espaço que ocupas neste mundo” (Flaubert) e “O mundo é um livro e os que não viajam só leem uma página” (Santo Agostinho).
Entramos em O Pedouzo, percorrendo alguns quilómetros num caminho paralelo à Estrada Nacional, até chegar aos nossos locais de dormidas, que aqui seriam três: a Pensión Maribel (www.pensionmaribel.com), a Pensión Arca (www.pensionarca.com) e a Pensión O Pedrouzo (www.pensionpedrouzo.com).
Ainda não tinha batido a badalada das cinco da tarde e já todos tinham chegado ao destino, permitindo, assim, que pudéssemos descansar um pouco mais antes do jantar.
Alguns AMUT’eiros encontraram-se na esplanada do café junto ao restaurante Galaico, onde se iria realizar a última ceia deste Caminho, e aproveitaram o final da tarde para confraternizar com outros peregrinos em torno de algumas “cañas”, da partilha de experiências e da linguagem mais universal de todas: a Música. As vozes encantadoras de umas peregrinas embelezaram o final deste magnífico dia.
O nosso último jantar do Caminho Francês de Santiago 2018 iniciou-se pelas oito e meia, num misto de alegria e alguma tristeza por ser o último, antes de terminar a nossa aventura. As iguarias servidas, com uma apresentação exímia e uma qualidade e diversidade, surpreendeu, deliciou e agradou a todos.
No final do jantar, a Ângela tomou a palavra, pois embora estivéssemos todos felizes por partilhar aquele momento de convívio e sem vontade de nos irmos deitar, no dia seguinte teríamos de começar a caminhar ainda mais cedo que nos dias anteriores. Começou por agradecer a todos terem confiado na AMUT para percorrer o Caminho de Santiago, bem como a disponibilidade que tiveram em partilhar boa disposição e alegria em todos os dias desta aventura. De seguida, pediu uma salva de palmas para o Mário Cruz, pelo apoio financeiro d’O Forno para a realização desta peregrinação, mas também pela sua participação no reconhecimento e, finalmente, pediu para lhe cantarmos os parabéns, porque naquele dia ele celebrava o seu quadragésimo aniversário de docência de Filosofia. Consta-se que se viram algumas lágrimas de alegria e muitos abraços…
De seguida, a Ângela agradeceu também à Elsa Pinto, ao Júlio Fontes e ao Jorge Soares por terem também partilhado o reconhecimento do Caminho com ela e a este último por ter elaborado os ficheiros de todos os trilhos que diariamente foram entregues aos peregrinos.
Salientou e elogiou o trabalho voluntário da Morgana e do Patrice que, ao longo destes dias, tinham apoiado, acarinhado, cuidado e carregado as pesadas malas dos peregrinos.
O “primaço” Arménio pediu para tomar a palavra, de forma a partilhar com todos que tinha decidido fazer o Caminho sem saber muito bem ao que vinha, exprimindo que o tinham convidado e que entendeu aceitar o desafio. Os agradecimentos estenderam-se à AMUT pela organização e aos companheiros AMUT’eiros pelo acolhimento e apoio. Terminou, dizendo que após estes dias não seria, certamente, a mesma pessoa, que tinha adorado e que tinha sido para ele “transformador”.
A Ângela retomou a palavra para alertar que, no dia seguinte, ainda havia uma etapa de vinte e um quilómetros de Caminho. Assim, atendendo à heterogeneidade das velocidades de marcha dos peregrinos, adiantou que seria difícil para alguns alcançar a meta de Santiago a tempo da Missa do Peregrino. De facto, no dia seguinte seria domingo de Páscoa, pelo que, de acordo com a tradição, para conseguir assistir à Celebração seria fundamental chegar à Praça do Obradoiro pelo menos às onze e meia. Assim, entendia que, contrariamente ao previsto inicialmente, quem o pretendesse não deveria ficar à espera de todos para entrar na Catedral. Para quem verificasse não ser possível chegar a tempo da Celebração da Santa Missa, pedia para aguardar no primeiro ponto de encontro, o Monte do Gozo, para entrarmos juntos em Santiago.
Com o coração cheio de alegria e alma iluminada de carinho, regressamos aos nossos quartos para a última noite desta aventura.
Dia 5
5.ª Etapa – 1 de abril de 2018, 5h45 - O Pedrouzo – Santiago de Compostela - 21 km
Na manhã do nosso último dia de peregrinação, o encontro para o pequeno-almoço ficou marcado para as cinco e quarenta e cinco da madrugada, o mais cedo que o Restaurante Galaico nos propôs. Quando chegamos, aguardavam-nos uns belos croissants, pão, sumo de laranja natural, bebidas quentes… Um pequeno-almoço reforçado e completo!
Antes da partida, juntamo-nos para a já esperada foto de grupo, em que todos estavam ansiosos por começar a caminhar. A noite ainda era uma criança e a escuridão total quando nos embrenhámos na floresta à saída d’O Pedrouzo. As lanternas de todas as cores e feitios fizeram a sua aparição, pequenos pontinhos de luz que nos tornavam uns pirilampos a fluir entre as árvores.
A chuva, finalmente, parecia ter dado tréguas e, embora a manhã estivesse bem fria, a alegria do tempo seco deu-nos ânimo acrescido.
Apesar de estarmos muito próximos de Santiago, ainda tínhamos vinte e um quilómetros para percorrer, numa etapa onde inicialmente a floresta seria nossa companheira e a natureza a nossa musa. Nela, encontramos um pequeno oásis de peregrinos, pelas sete horas, ainda na escuridão da noite e da mata, um café onde alguns aproveitaram para tomar aquele café energizante e usufruir de outros “aposentos”. Seguimos viagem, com o Sol a despertar, tornando o Céu numa paleta infinita de cores… azul, violeta, rosa, laranja… um encantamento para os olhos e a alma.
Pouco depois da primeira paragem, começam a aparecer as primeiras aldeias, sinal de estarmos cada vez mais próximos de Santiago. Passamos junto do aeroporto de Lavacolla, quando faltavam cerca de sete quilómetros para o final da etapa. Continuamos a seguir as nossas amigas setas amarelas, por subidas e descidas, até alcançar o Monte do Gozo. Este é o primeiro local onde avistamos a Catedral de Santiago de Compostela, sendo esse o motivo de um nome tão sugestivo.
Alguns dos nossos companheiros peregrinos chegaram a este lugar bem cedo e continuaram, de forma a conseguirem entrar na Catedral a tempo da Missa do Peregrino.
Para quem caminhou um pouco menos rapidamente, foi tempo de se reencontrar com familiares e amigos que nos aguardavam no Monte do Gozo para nos abraçar e, para alguns deles, percorrerem os últimos quilómetros connosco, ou simplesmente para nos dar ânimo para chegar ao nosso destino.
Para quem caminhou ultrapassando dores físicas e, sobretudo, emocionais, por vezes inimagináveis, chegar ao Monte do Gozo é uma sensação de alegria infinita. Já vemos a nossa meta ali, bem pertinho. As lágrimas correram pelos rostos de muitos peregrinos que sentiram, naquele momento, o quanto foram corajosos, o quanto foram fortes e lutadores, o quanto foi bom e fez sentido entregarem-se ao Caminho e aos seus companheiros de viagem.
Seguimos até ao monumento ao Peregrino, constituído por dois peregrinos gigantes a apontar para o local onde se encontra a Catedral e o Apóstolo Santiago. Juntamo-nos para uma fotografia com os presentes e retomamos o Caminho, para percorrer os cerca de seis quilómetros até à nossa meta.
À entrada de Santiago de Compostela, na “Porta do Peregrino”, estavam alguns AMUT’eiros aguardando por nós. A partir deste ponto faltavam cerca de três quilómetros.
O grupo ia-se adensando à medida que avançávamos e encontramos mais companheiros à nossa espera na Praza de S. Domingos de Bonaval, junto à “Porta do Caminho” … aqui entramos no nosso último quilómetro.
Finalmente, chegamos à Praça do Seminário Mayor de San Martin Pinário onde, com exceção dos poucos AMUT’eiros que tinham conseguido entrar para assistir à Missa do Peregrino, quase todos se encontravam. Os rostos familiares de quem tinha partilhado os últimos cinco dias com momentos de grande superação física, mental e emocional levaram a sorrisos rasgados e lágrimas de felicidade. Tiramos algumas fotografias juntos, atrasando um pouco o momento mágico da entrada na Praça do Obradoiro.
Com a calma possível, demos as mãos, formando um cordão humano e ouvíamos a música do tradicional tocador de gaita-de-foles, avisando que estávamos mesmo juntinho ao nosso objetivo. Juntava-se uma mão a outra mão, mais uma e outra e outra ainda… uma fila de corações sorridentes interminável. Juntaram-se a nós os nossos familiares e os nossos amigos, que nos tinham vindo resgatar e lentamente, muito lentamente, começamos a descer os escassos metros que nos afastavam do centro da Praça. O cordão humano dos AMUT’eiros era tão extenso que as pessoas que se encontravam lá ficavam boquiabertos com tantos braços, com tantos sorrisos. As bandeiras da AMUT, de Gondomar, de Portugal e da União Europeia esvoaçavam e em uníssono cantávamos “Ultreia, Suseia, Gondomar a Santiago”, as lágrimas de alegria a escorrerem pelos rostos, inexplicavelmente, o coração a bater descompassado, os pés e as pernas que tanto doíam a parecerem plumas.
Chegamos ao nosso destino, atingimos a meta e formamos um círculo de almas felizes. É hora de agradecer, é hora de celebrar! Todos juntos, de mãos dadas, vamos correndo ao centro, elevando os braços e gritando “Que alegria!”. Uma alegria sem fim, por todos termos alcançado a meta, de estarmos juntos, de nos termos superado e ultrapassado todos os desafios, de vivermos aquele momento único e inesquecível. Na última ovação, a Ângela empunha a bandeira da AMUT e, fazendo-a dançar ao vento, corre no centro daquele círculo de companheiros unidos. Estendendo o seu braço direito bate com a sua na mão estendida de cada um dos presentes, agradecendo a presença, a confiança, a partilha. Os abraços multiplicam-se, as lágrimas de alegria, os olhares ternos, os (re)encontros.
No mesmo momento, os nossos companheiros que conseguiram chegar atempadamente, assistem à Santa Missa, rezando por todos nós, recebendo, em nome de todos os AMUT’eiros, a bênção de Santiago, por termos vindo ao seu encontro.
No final da Celebração, juntamo-nos todos para usufruir da Procissão do Senhor junto ao Seminário Mayor San Martín Pinário. A beleza dos altares deixa-nos totalmente encantados. Eles são tão pesados que são precisos três dezenas de carregadores para cada um.
Alguém recorda que está hora de seguirmos para o restaurante do Seminário Mayor S. Martin Pinário, para a nossa última refeição juntos nesta peregrinação.
A sala do restaurante é um local de grande imponência, um edifício secular que nos deixa com a sensação de viajar no tempo, essencialmente pela decoração e altura inusitada dos arcos de pedra do teto.
No final do almoço, a Ângela chamou o Jorge, o Júlio e o Mário para, juntos, entregarem as Compostelas aos peregrinos, atendendo a que, juntos, tinham organizado esta peregrinação. Começou por reiterar o agradecimento a todos por terem aceite o desafio de caminhar com a AMUT e seguiu agradecendo aos colaboradores da AMUT pelo seu empenho e dedicação para que tudo corresse bem e fosse uma experiência extraordinária para todos. Os peregrinos foram chamados, um a um, a virem receber o documento que certifica que realizaram pelo menos cem quilómetros de um dos Caminhos de Santiago. Mais uma oportunidade para se entregarem a muitos e suculentos abraços e partilharem a alegria deste momento.
Após o almoço, ainda houve algum tempo para abraçar o Santo Apóstolo, agradecer a sua proteção e carinho ao longo de todo o Caminho, agradecer por sempre cuidar de todos os AMUT’eiros.
Já estava quase na hora de partir e, por isso, as compras das lembranças foram feitas a correr, para rapidamente seguir para o local onde o autocarro nos aguardava. A viagem foi calminha, sendo que uns aproveitaram para relembrar as vivências dos dias anteriores ou apenas para dormir um pouco, até chegar à Câmara Municipal de Gondomar, perto das oito e meia da noite. Os últimos abraços foram partilhados. Tinha chegado a hora de nos separarmos e regressarmos aos nossos lares.
Nos dias que se seguiram, continuamos a sonhar com o Caminho, continuamos a senti-lo no corpo e na alma. Ao longo dos dias percebemos que tudo valeu a pena, sentimos saudades até da chuva e do vento gélido, da presença divina da Mãe Natureza e de Santiago em cada árvore, em cada paisagem que nos encheu a alma, em cada brisa que purificou o nosso coração, em cada sorriso que nos levou a ultrapassar os nossos limites, em cada gargalhada inexplicável que nos trouxe a energia necessária para chegar até Santiago. Percebemos mais claramente que saímos fortalecidos das dificuldades e que todas as experiências, por mais difíceis que sejam, se estivermos disponíveis para nós e para os outros, vamos mais acima, vamos mais além.
Assim é o Caminho, como a Vida!
Ultreia, Suseia, Gondomar a Santiago!
Testemunhos
Ana Freitas
O caminho de Santiago para mim significou mudança, e o facto de ter sido na Páscoa acentuou-a ainda mais. Já que a Páscoa convida a isso mesmo: mudança, renovação, renascimento que nada mais quer dizer do que busca pelo nosso eu interior. A minha motivação para o caminho foi mesmo essa, mas o que ele me deu foi imensamente maior e por isso sou profundamente grata por esta experiência e por todos os momentos que dela advieram - mesmo os mais exigentes fisicamente. As pessoas que fizeram parte desta história curta mas intensa são extremamente bonitas, maravilhosas e lutadoras, e sou imensamente grata por todas elas se terem cruzado na minha vida.
A frase que resume todo este caminho para mim:
"Talvez tudo seja apenas uma passagem, que precisa de ser tal e qual como é, para que alcancemos o que é preciso alcançar.
Talvez todas as pessoas sejam personagens do mesmo filme, realizado pelo grande produtor, cuja principal ideia é ensinar-nos. Vestidos de diferentes personalidades, um dia olhamos cada uma, como parte de nós e assim num abrir e fechar de olhos, todos os cenários mudam, e finalmente o ser desperta." (Natália Rodrigues)
Ultreia, Suseia, Gondomar a Santiago!
Um abraço de luz*
Odete Teixeira Lopes
“O Caminho faz se caminhado” esta é uma frase que sempre ouvi quando se falava do Caminho de Santiago, e que até ao inicio desta aventura tinha apenas como significado caminhar para chegar de um sitio a outro. Mas o caminho de Santiago é muito mais do que andar e chegar de um local a outro, é uma experiência que transforma a vida.
Sem eu saber, o caminho começou muito antes do 1º passo na Igreja de São Lázaro em Sarria, o caminho começou no momento em que me decidi a fazer o caminho, em que saí da minha zona de conforto, da minha rotina e me dispus a “caminhar”, e a descobrir que o “Caminho se faz caminhando”.
Ao longo de 5 dias, por um caminho lindíssimo, fui colocando à prova a minha persistência, a minha força, o meu querer, as minhas dores, em resumo a minha vida.
Cada amanhecer mostrava que posso ver cada dia de uma forma nova, que cada dia contém em si uma aventura infindável, só tenho que estar atenta.
Entre subidas, descidas, pedras, água, lama, chuva, sol, vento, frio, calor, paisagens de cortar a respiração… e mais subidas e descidas e chuva, fui fazendo o caminho, passo a passo, e sempre com a ajuda de todos aqueles que estão no caminho.
Sempre que surgia algum desânimo e aquela vozinha interior dizia “não aguento mais…”,“mais uma subida… oh não!”, havia sempre alguém que dizia “Respira, controla a respiração, tu consegues” ou então alguém passava e dizia “Buen Camiño” que significa, “Tu és capaz, não desistas, avança!” e então percebo que faço parte de algo maior, faço parte do ‘Caminho’.
A chegada a Santiago é um misto de alegria, porque cheguei e de tristeza, porque já cheguei. Mas a emoção de assistir à Missa de Páscoa na Catedral após um longo caminho, é onde realmente se percebe todo o significado da frase “O Caminho se faz caminhando”.
Obrigado a todos que fizeram comigo o Caminho, em especial ao meu primo, sem ti teria sido muito mais difícil.
À Ângela, um obrigado do tamanho do seu abraço ao Santo, ver uma pessoa a abraçar o Santo, como se 42 peregrinos o estivessem a abraçar é um sentimento de gratidão por tudo.
A todos e a cada um, foi uma aventura fantástica, uma experiência a repetir.
Façam da frase “O Caminho faz se caminhando” o lema para a vossa vida. Porque a vida faz se vivendo, porque a felicidade faz-se, fazendo os outros felizes e sendo feliz. Se ficarem sempre presos à vossa zona de conforto, à vossa rotina do dia-a-dia, nunca vão descobrir a verdadeira dimensão da vossa vida.
Vivam, Sejam Feliz, porque “O Caminho da vida faz se caminhando”.
Rosa Maria Cruz
Depois de ter feito o "caminho Francês de Santiago", senti-me essencialmente REVITALIZADA! Acho que a "receita" foi a mistura da beleza natural, relevo de alguns percursos, adversidade do clima (nem constipei...) e claro a partilha do "caminho" com quem me acompanhou.
Ultreia, Suseia, Gondomar a Santiago!
Abraço
Rosário Marques
É a segunda vez que faço os Caminhos. Se no primeiro Caminho duvidava muito de o conseguir fazer, nesta segunda vez, tive sempre a certeza absoluta que chegava ao fim. Daí que os dias constantes de chuva, o frio, o vento, a roupa e o calçado molhados, apenas fizeram parte.
Impressionou-me um dia em que saímos muito cedo, como de costume, mas por uma mata ou floresta cheia de árvores, negra, sem uma réstia de luz na noite, antes da madrugada. Soube-me bem o conforto de saber os outros caminhantes por perto. Aconchegou-me saber que éramos um grupo, que éramos muitos.
Ao chegar a noite, o jantar de grupo com a partilha de historias, de dificuldades, mas com uma alegria contagiante, repunha forças e energias, para um noite revigoradora e um dia seguinte de nova caminhada.
Por ultimo, nestes Caminhos, além do Fernandinho acompanhou-me também o meu filho. É certo que foi necessário parar em todas as "capelinhas". Mas estes dias de companhia constante, de conversas, de partilhar e superar dificuldades em conjunto reforçou os vínculos, criou novas historias e estorias e ser contadas e a ser lembradas e ampliadas, pois que quem conta um conto ...
Agora falta-me fazer de novo os Caminhos, mas com a minha filha e, talvez, a minha irmã também 😉
Mais uma vez, o meu muito obrigada à AMUT e aos AMUT’eiros.
Com amizade…
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